No dia 21 de março, em reunião realizada com a mediação do Ministério Público e Assembleia Legislativa, o Governo do Estado apresentou a seguinte proposta sobre o pagamento do Piso Salarial:
“Encaminhar o projeto de lei específico, a que se refere o art. 3º da Lei Estadual 21.710/15, à Assembleia Legislativa, no 1º dia útil subsequente à publicação do Relatório Quadrimestral de Gestão Fiscal no qual o Poder Executivo estadual retorne ao limite prudencial previsto no parágrafo único do artigo 22 da Lei Complementar Federal 101/2000;
Implementar a atualização tratada no item anterior que deve ser efetivada no primeiro dia útil no qual o Estado entrar em regularidade fiscal nos termos da Lei Complementar 101/2000. O percentual de reajuste previsto nos itens anteriores não pode implicar o retorno ao limite prudencial de que trata a Lei Complementar 101/2000.”
O que esta proposta significa?
- Que o governo somente enviaria a proposta de atualização do Piso, através de projeto de lei, quando retornasse ao limite prudencial de gasto (46,55% de despesa com pessoal). O que pode acontecer em junho ou setembro, ou não acontecer este ano.
- Mesmo após enviar e o projeto de lei ser aprovado pela Assembleia Legislativa, o governo somente pagaria a atualização do piso se o impacto financeiro deste pagamento não fizer o Estado voltar para o limite prudencial de despesa com pessoal. Ninguém pode prever quando ou se isso acontecerá nos próximos meses e anos. Em 2016, o Estado já estava acima do limite prudencial quando fez a atualização do Piso Salarial em 11,36%, conforme determinava a Lei Estadual 21.710/15.
- De acordo com representantes do Governo do Estado, o impedimento de enviar a atualização de 2017 (7,64%) e 2018 (6,81%), neste momento, estaria fundado na Lei de Responsabilidade Fiscal. Em síntese, o governo do Estado de Minas Gerais argumenta a superioridade formal e material da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a Lei Federal 11.738/08, o que impediria a atualização do piso salarial do magistério público previsto na Constituição da República, em razão dos limites com gasto de pessoal.
As alegações do Governo estão corretas?
Não. Ao contrário do afirmado pelo governo em diversas reuniões, não existe prevalência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sobre a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN). Isto porque essas duas leis, espécies previstas no artigo 59 da Constituição da República, possuem “campos de atuação” materialmente distintos, são reservadas para competências materialmente diferentes, não cabendo a pretensa superioridade da LRF. A doutrina em Direito Constitucional respalda a inexistência de hierarquia entre a Lei Complementar (no caso, a LRF) e a Lei Ordinária (a Lei do Piso Salarial). Da mesma forma, a jurisprudência dos Tribunais brasileiros também reconhece a inexistência de hierarquia entre as Leis Complementares e as Leis Ordinárias, dentre elas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Assim, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que não existe hierarquia entre a Lei Complementar e a Lei Ordinária. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais corrobora com esta posição. Do ponto de vista do conteúdo, também não há superioridade das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal em prejuízo da Lei Federal do Piso Salarial Profissional Nacional, como será explicado adiante.
O que significaria aceitar a proposta como o Governo apresentou?
Significaria acrescentar uma regra, inexistente no Acordo assinado em 2015 e que também não está na Lei Estadual 21.710/15. Significaria aceitarmos uma cláusula de barreira e abrirmos mão do pagamento do Piso Salarial neste e nos próximos anos.
Sobre o Direito Fundamental à Educação
Lembramos que dentre os princípios basilares que constituem a República Federativa do Brasil, destaca-se como elemento constitutivo da nossa sociedade a declaração de um regime político fundado como Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput da Constituição Federal), o que obriga a proclamação e efetivação de Direitos Fundamentais. Neste contexto, a realização do direito fundamental à Educação (art. 6º, caput, da Constituição Federal) mereceu tratamento diferenciado na Constituição, através dos art. 205 a 214.
Deixando clara a importância do direito fundamental à educação, a Constituição Federal conferiu ao magistério o tratamento distinto necessário, pois os profissionais da educação básica pública são uma das poucas categorias profissionais do país com exigência de um piso nacional positivada na Constituição. Assim, a CR/88 no art. 206, VIII, garante:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...) VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.”
Em obediência à Constituição, foi promulgada a Lei Federal 11.738/08 que, além de regulamentar o piso nacional para os profissionais da educação básica pública no art. 2º, trouxe em seu art. 5º, a obrigação de atualização anual do piso, considerando, para tanto, o crescimento do valor anual mínimo por aluno dos anos iniciais do ensino fundamental do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.
Justamente por regulamentar norma constitucional de natureza fundamental é que a Lei Federal 11.738/08 prevalece sobre a Lei Complementar 101/00 (LRF). Assim, centenas de decisões do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais de Justiça Estaduais, dentre eles o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reconhecem que a Lei de Responsabilidade Fiscal não pode ser usada como justificativa para o não cumprimento do piso salarial dos trabalhadores da educação pública.
Logo, os limites de despesa com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal não podem ser usados como justificativa para o descumprimento do pagamento do Piso Salarial. Também não há reflexo para o pagamento do piso se o limite de despesa com pessoal é prudencial ou máximo, como alega o governo estadual. Esta é uma falsa questão, pois, repita-se os limites de despesa com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal não podem ser usados como justificativa para o descumprimento do piso nacional do magistério.
A constitucionalidade da Lei Federal 11.738/08 foi reafirmada pelo STF em 2011. A atual gestão do governo do Estado celebrou acordo com a categoria em 2015, comprometendo-se a cumprir o Piso Salarial que já era obrigatório por Lei.
Existe uma óbvia diferença entre falta de planejamento e a alegação de que a situação financeira do Estado não era prevista. O governo do Estado de Minas Gerais desconhecia a crise financeira dos últimos anos? O governo do Estado de Minas Gerais desconhecia a obrigatoriedade de reajuste do piso do magistério? Evidentemente que não.
Em resumo, a Lei de Responsabilidade Fiscal não pode ser usada como argumento para impedir a aprovação de Lei Estadual que reajuste o piso dos servidores públicos estaduais da educação.