O amplo e democrático processo de participação da sociedade civil na realização da 2ª Conferência Nacional de Educação (Conae/2014), desde suas etapas preparatórias realizadas nos municípios, estados e no Distrito Federal, contribuiu de maneira inegável para consolidar o avanço das políticas de educação, especialmente, para o estabelecimento do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024 e para a elaboração ou adequação dos planos estaduais/distrital e municipais de educação correspondentes, bem como para a sua implementação e avaliação.
Foi o que atestou o documento final resultante das deliberações da conferência, material que, desde então, constituiu-se no principal subsídio para o processo de mobilização e o debate permanente entre educadores e entidades da sociedade civil organizada comprometida com a educação. Compromisso que passava não apenas pela implementação e avaliação do PNE e os correspondentes planos decenais discutidos e/ou aprovados pelas câmaras municipais e assembleias legislativas em todo o país, mas também pela institucionalização do Sistema Nacional de Educação.
A perspectiva desse pacto social firmado entre a sociedade civil organizada e o Estado é o de que um projeto de desenvolvimento nacional sustentável e soberano do Brasil não prescinde — pelo contrário, necessita — de uma educação verdadeiramente democrática, a qual só se assegura por meio do fortalecimento da educação pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade e, de outro lado, da regulamentação da educação privada, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais.
Esse pacto foi rompido pela implementação das políticas ilegítimas de Michel Temer. Rompido pela entrega do pré-sal, cujos royalties seriam destinados para a educação, aos interesses estrangeiros e pela Emenda Constitucional 95, que, ao congelar por 20 anos os investimentos em políticas públicas no país, inviabilizou por completo o cumprimento das diretrizes e metas do PNE, incluindo a mais conhecida delas: a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para a educação. Rompido pela suspensão de programas e políticas de acesso que afetam a garantia constitucional de universalização da educação básica e expansão da educação superior. Rompido pela reforma do ensino médio feita arbitrariamente via medida provisória, sem discussão com educadores e entidades do campo educacional, e que torna essa etapa da educação básica ainda mais excludente, rebaixando a formação e visando ao desmanche e à privatização da escola pública. Rompido pela aprovação da terceirização irrestrita, inclusive para atividades-fim, medida cujos efeitos são a precarização nas relações de trabalho e ampliação da degradação das condições de trabalho, a supressão dos direitos dos trabalhadores, o rebaixamento salarial, a perda de direitos sociais e a redução da representação sindical, sem contar o grave prejuízo à qualidade do ensino e ao projeto pedagógico das instituições. Rompido pela leniência — ou, de fato, conivência do Poder Executivo — com tentativas explícitas e espúrias de censura e criminalização do magistério, como a simbolizada pela parcialidade do movimento Escola Sem Partido e suas propostas de implementação de leis da mordaça em todo o país. Rompido pelo aparelhamento do Conselho Nacional de Educação (CNE), pela ingerência e recomposição à revelia do Fórum Nacional de Educação (FNE) — com a exclusão de entidades históricas do campo educacional e a abertura do órgão aos interesses do capital privado — e pela nítida intenção do Ministério da Educação de inviabilizar a realização de uma Conae/2018 nos moldes democráticos e com ampla participação social.
É diante desse cenário, que demanda forte contraposição, que se mobiliza esta Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), como instrumento de resistência em defesa dos avanços e dos espaços de interlocução conquistados após décadas de muita luta e que agora estão sendo destruídos e/ou usurpados pelo atual golpe político, ao qual não interessa o fortalecimento de uma educação pública, laica, democrática, inclusiva, crítica e de qualidade socialmente referenciada.
Sem a reflexão sobre uma concepção pedagógica crítica, o enfrentamento das políticas ilegítimas deste governo e a construção do Sistema Nacional de Educação, com fortalecimento da escola pública e regulamentação do ensino privado, não há projeto democrático de educação. Para isso, o movimento educacional necessita mostrar que o desenvolvimento da educação não se dá apenas no âmbito da luta educacional, mas também no enfrentamento à exclusão, à concentração de renda e às disparidades regionais e sociais, consequências de uma noção de desenvolvimento baseada no consumo, que acirra a desigualdade e à qual o combate exige ações políticas e sociais articuladas.
Assim, esta Conferência Nacional Popular de Educação é uma convocação à retomada da democracia no país e das vozes da sociedade civil organizada por meio dos movimentos sociais e das entidades educacionais; uma reafirmação do compromisso com uma educação verdadeiramente transformadora.
Brasília, 20 de junho de 2017.