por Cássio Diniz
Confesso que estava curioso. Mesmo tendo participado do movimento estudantil na minha juventude, nunca tinha visto uma forma de luta como essa. Ocupar uma escola como hoje fazem os estudantes paulistas é bem diferente de ocupar uma reitoria na universidade ou uma assembleia legislativa. A perspectiva é outra.
Confesso que estava curioso. Mesmo tendo participado do movimento estudantil na minha juventude, nunca tinha visto uma forma de luta como essa. Ocupar uma escola como hoje fazem os estudantes paulistas é bem diferente de ocupar uma reitoria na universidade ou uma assembleia legislativa. A perspectiva é outra.
Na última quinta-feira visitei a
Escola Estadual João Kopke. Ela se localiza quase em frente da Estação Júlio
Prestes, região da Luz, área de baixa renda no centro da cidade de São Paulo. Levava comigo
a moção de apoio que aprovamos em um seminário na Argentina e que deveria
entregar uma semana antes, como havia prometido pelos estudantes da escola pela
internet.
Ao chegar, às 7 horas em ponto,
encontro alguns jovens em frente ao portão. A maioria chegando, como se fosse
um dia letivo tranqüilo, mas com um pequeno detalhe: não vinham com mochilas.
Esperavam para que alguém da comissão de segurança abrisse os portões para
entrarem, sempre trancada com uma grossa corrente e um grande cadeado.
Conversei com alguns deles.
Apesar de tímidos – ou desconfiados, pois a questão de segurança contra espiões
e provocadores é fundamental – eles se mostraram bem esclarecidos e
politizados. Ou seja, com a linguagem própria dessa geração, demonstraram saber
muito bem o que estavam fazendo. Apesar da conversa inicial – no qual informei
sobre a moção que queria entregar – não entrei com eles, pois ali eu era um
desconhecido. Mas recebi a promessa de um deles que iria conversar com a menina
da comissão que dormiu lá essa noite.
Importante destacar: nesse
momento vejo a movimentação de dois alunos. Eles começam a varrer a pequena
área interna do portão e depois a calçada externa da escola. Eram da comissão
de limpeza e naquele dia foram destacados para essa tarefa. A limpeza é uma das
principais preocupações práticas desde que começou a ocupação ali.
Poucos minutos depois chegaram
dois professores. Eles faziam parte de um grupo de docentes que apoiavam as
ocupações, e naquele caso específico, estavam ali para garantir a segurança de
seus alunos. Não contra ladrões ou contra qualquer outro tipo de pessoa que a
mídia chama de marginais, mas contra a Polícia Militar que diariamente
provocava e intimidava os estudantes da João Kopke. Um deles me disse que a
noite anterior foi tensa devido a isso.
Os dois professores montavam uma
lona na calçada para se abrigarem da pequena garoa que constantemente aparecia. Propus-me a ajudar. Ao mesmo tempo
eles me contavam como está o movimento na capital, o apoio da comunidade, a
postura do governo e da mídia e a repressão violenta que a PM e grupos
fascistas estava fazendo em algumas escolas. A novidade daquela manhã era a
tentativa de desocupação da E.E. Caetano de Campos por um grupelho reacionário
que queria expulsar os estudantes da escola naquele dia.
Como era próximo da estação de
trem, o fluxo de pessoas na calçada oposta era muito grande. Em determinados
momentos paravam pessoas para tirar fotos. Duas mães chegaram para conversar
com a gente. Se mostravam preocupadas com a paralisação das aulas, porém,
apoiavam as ocupações. “Se acabarem com o
ensino médio nessa escola, onde meu filho irá estudar? Nós moramos aqui na Luz
e não tenho condições de levá-lo todo dia para outra escola distante 10 km
daqui”, foi a angustia de uma das mães sobre a reorganização proposta pelo
governo de Geraldo Alckmin. Um jovem pai também passou em frente, e sugeriu que
os estudantes começassem um abaixo-assinado, para demonstrar que a comunidade apóia
a luta deles. “Nossa luta, de todos nós”,
disse um dos professores com quem conversava.
Depois de uma hora de boa
conversa, troca de experiências e informações em frente a escola, uma menina da
comissão veio até mim. Disse que os estudantes aprovaram minha entrada.
Finalmente passei pelos portões da João Kopke. Noto que o jovens, antes
desconfiados, se tornaram bastante amigáveis, ao dar vários bons dias e abrirem
caminho. Todos são estudantes da escola.
Entro no pátio e percebo a
organização do lugar. Tudo em ordem, sem bagunça, e com alguns meninos
começando a limpeza matinal. Noto em algumas paredes a inexistência de
pichações ou qualquer depredação do prédio, mas sim a existência de cartazes
com palavras de ordem, e, principalmente, com as tarefas tiradas nas
assembleias anteriores. Até o cardápio dos almoços da semana estava lá. “A comida é bem melhor na ocupação do que era
antes”, disse um dos alunos.
Chego a uma área onde estava
concentrada a maioria daqueles que dormiram ali. Alguns se levantavam depois de
uma noite de sono. Talvez depois de uma festinha, quem sabe, pois são jovens
como quaisquer outros. São adolescentes comuns, que exalam alegria e energia, fazem brincadeiras, mesmo dormindo em magros colchonetes e cuidando fisicamente da escola.
A menina que havia me recebido me apresentou aos
presentes. Digo os motivos, explico sobre a moção de apoio e também da solidariedade dos
alunos do IEMG (Instituto de Educação de Minas Gerais, ocupada naquela semana)
e falo que a luta protagonizada por eles é um dos momentos mais importantes da
história dos movimentos sociais do Estado de São Paulo, quiça do Brasil. Uma salva de palmas é a resposta dada.
Conversamos mais um pouco. Me
disseram a rotina da ocupação e a expectativa do movimento. Ao final tiramos
uma foto para ser o registro daquele momento que guardarei com especial carinho.
Vou embora com uma boa sensação.
Ali vejo uma história sendo construída. Essa luta quebra qualquer paradigma que
jovens não gostam de sua escola. Não apenas gostam, mas defendem radicalmente a
existência dela. Podem não concordar com o modelo de educação, ultrapassada e
desconexa do mundo juvenil e da classe trabalhadora, mas buscam se apoderar
dela, transformá-la, colocá-la a serviço de uma verdadeira educação
transformadora segundo sua própria visão de mundo. Esses jovens, vitoriosos ou
não, já demonstraram que ganharam para o resto de suas vidas.
Cássio Diniz
é professor de História da rede estadual de Minas Gerais,
mestre e doutorando em educação
e diretor estadual do Sind-UTE/MG