domingo, 29 de novembro de 2015

Uma rápida visita a uma escola ocupada

por Cássio Diniz

Confesso que estava curioso. Mesmo tendo participado do movimento estudantil na minha juventude, nunca tinha visto uma forma de luta como essa. Ocupar uma escola como hoje fazem os estudantes paulistas é bem diferente de ocupar uma reitoria na universidade ou uma assembleia legislativa. A perspectiva é outra.

Na última quinta-feira visitei a Escola Estadual João Kopke. Ela se localiza quase em frente da Estação Júlio Prestes, região da Luz, área de baixa renda no centro da cidade de São Paulo. Levava comigo a moção de apoio que aprovamos em um seminário na Argentina e que deveria entregar uma semana antes, como havia prometido pelos estudantes da escola pela internet.

Ao chegar, às 7 horas em ponto, encontro alguns jovens em frente ao portão. A maioria chegando, como se fosse um dia letivo tranqüilo, mas com um pequeno detalhe: não vinham com mochilas. Esperavam para que alguém da comissão de segurança abrisse os portões para entrarem, sempre trancada com uma grossa corrente e um grande cadeado.

(Entenda os motivos das ocupações das escolas de São Paulo clicando aqui)

Conversei com alguns deles. Apesar de tímidos – ou desconfiados, pois a questão de segurança contra espiões e provocadores é fundamental – eles se mostraram bem esclarecidos e politizados. Ou seja, com a linguagem própria dessa geração, demonstraram saber muito bem o que estavam fazendo. Apesar da conversa inicial – no qual informei sobre a moção que queria entregar – não entrei com eles, pois ali eu era um desconhecido. Mas recebi a promessa de um deles que iria conversar com a menina da comissão que dormiu lá essa noite.

Importante destacar: nesse momento vejo a movimentação de dois alunos. Eles começam a varrer a pequena área interna do portão e depois a calçada externa da escola. Eram da comissão de limpeza e naquele dia foram destacados para essa tarefa. A limpeza é uma das principais preocupações práticas desde que começou a ocupação ali.

Poucos minutos depois chegaram dois professores. Eles faziam parte de um grupo de docentes que apoiavam as ocupações, e naquele caso específico, estavam ali para garantir a segurança de seus alunos. Não contra ladrões ou contra qualquer outro tipo de pessoa que a mídia chama de marginais, mas contra a Polícia Militar que diariamente provocava e intimidava os estudantes da João Kopke. Um deles me disse que a noite anterior foi tensa devido a isso.

Os dois professores montavam uma lona na calçada para se abrigarem da pequena garoa que constantemente aparecia. Propus-me a ajudar. Ao mesmo tempo eles me contavam como está o movimento na capital, o apoio da comunidade, a postura do governo e da mídia e a repressão violenta que a PM e grupos fascistas estava fazendo em algumas escolas. A novidade daquela manhã era a tentativa de desocupação da E.E. Caetano de Campos por um grupelho reacionário que queria expulsar os estudantes da escola naquele dia.

Como era próximo da estação de trem, o fluxo de pessoas na calçada oposta era muito grande. Em determinados momentos paravam pessoas para tirar fotos. Duas mães chegaram para conversar com a gente. Se mostravam preocupadas com a paralisação das aulas, porém, apoiavam as ocupações. “Se acabarem com o ensino médio nessa escola, onde meu filho irá estudar? Nós moramos aqui na Luz e não tenho condições de levá-lo todo dia para outra escola distante 10 km daqui”, foi a angustia de uma das mães sobre a reorganização proposta pelo governo de Geraldo Alckmin. Um jovem pai também passou em frente, e sugeriu que os estudantes começassem um abaixo-assinado, para demonstrar que a comunidade apóia a luta deles. “Nossa luta, de todos nós”, disse um dos professores com quem conversava.

Depois de uma hora de boa conversa, troca de experiências e informações em frente a escola, uma menina da comissão veio até mim. Disse que os estudantes aprovaram minha entrada. Finalmente passei pelos portões da João Kopke. Noto que o jovens, antes desconfiados, se tornaram bastante amigáveis, ao dar vários bons dias e abrirem caminho. Todos são estudantes da escola.

Entro no pátio e percebo a organização do lugar. Tudo em ordem, sem bagunça, e com alguns meninos começando a limpeza matinal. Noto em algumas paredes a inexistência de pichações ou qualquer depredação do prédio, mas sim a existência de cartazes com palavras de ordem, e, principalmente, com as tarefas tiradas nas assembleias anteriores. Até o cardápio dos almoços da semana estava lá. “A comida é bem melhor na ocupação do que era antes”, disse um dos alunos.

Chego a uma área onde estava concentrada a maioria daqueles que dormiram ali. Alguns se levantavam depois de uma noite de sono. Talvez depois de uma festinha, quem sabe, pois são jovens como quaisquer outros. São adolescentes comuns, que exalam alegria e energia, fazem brincadeiras, mesmo dormindo em magros colchonetes e cuidando fisicamente da escola. 

A menina que havia me recebido me apresentou aos presentes. Digo os motivos, explico sobre a moção de apoio e também da solidariedade dos alunos do IEMG (Instituto de Educação de Minas Gerais, ocupada naquela semana) e falo que a luta protagonizada por eles é um dos momentos mais importantes da história dos movimentos sociais do Estado de São Paulo, quiça do Brasil. Uma salva de palmas é a resposta dada.

Conversamos mais um pouco. Me disseram a rotina da ocupação e a expectativa do movimento. Ao final tiramos uma foto para ser o registro daquele momento que guardarei com especial carinho.


Vou embora com uma boa sensação. Ali vejo uma história sendo construída. Essa luta quebra qualquer paradigma que jovens não gostam de sua escola. Não apenas gostam, mas defendem radicalmente a existência dela. Podem não concordar com o modelo de educação, ultrapassada e desconexa do mundo juvenil e da classe trabalhadora, mas buscam se apoderar dela, transformá-la, colocá-la a serviço de uma verdadeira educação transformadora segundo sua própria visão de mundo. Esses jovens, vitoriosos ou não, já demonstraram que ganharam para o resto de suas vidas.


Cássio Diniz
é professor de História da rede estadual de Minas Gerais,
mestre e doutorando em educação
e diretor estadual do Sind-UTE/MG

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