Desvincular do salário mínimo os benefícios pagos a idosos e pessoas com deficiência pode criar uma categoria de “subcidadãos” diz ex-ministra Tereza Campello. Idosos voltarão para a linha abaixo da pobreza
Escrito por: Rosely Rocha
AGÊNCIA BRASIL
A proposta de reforma da Previdência do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL/RJ) cria novas regras que acabam com o vínculo entre o salário mínimo e os valores dos benefícios assistenciais - Benefício de Prestação Continuada, BPC - pagos a 2 milhões de idosos e 2,5 milhões de pessoas com deficiência pobres, que comprovem renda mensal per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo.
A primeira armadilha, de acordo com análise da ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, é a proposta de aumento no valor do benefício pago a pessoas com deficiência. Ela alerta que a previsão de aumentar para R$ 1.000,00 o valor dos benefícios pagos a pessoas com deficiência que têm direito ao BPC, como consta na proposta da equipe do governo, também significa a desvinculação com o salário mínimo. E que depois deste aumento de R$ 2,00 – o salário mínimo atual é de R$ 998,00 -, o valor pode nunca mais ser reajustado.
“Quando você dá dois reais a mais do valor do salário mínimo pode ser uma forma de desvincular o benefício do mínimo. Você perde o poder de reajuste. O governo pode simplesmente nunca mais aumentar o valor do benefício e daqui a dez anos o deficiente continuar recebendo os mesmos mil reais e estar passando fome”, afirma.
O segundo alerta da ex-ministra é que se a proposta de acabar com o vínculo entre os valores dos benefícios e o salário mínimo for aprovada pelo Congresso Nacional, um idoso de baixa renda, poderá ter acesso ao benefício a partir dos 55 anos de idade, mas receberá apenas R$ 500,00 por mês, quase metade do salário mínimo.
Já quem tem acima de 65, que hoje tem direito a um salário mínimo por mês, receberia R$ 750,00. O valor subiria mais R$ 150,00 somente a partir dos 70 anos, mas apenas se o idoso tiver contribuído à Previdência por pelo menos 10 anos. Ou seja, em nenhuma das condições o benefício seria de um salário mínimo.
Para Tereza Campello, além de inconstitucional porque o salário mínimo está previsto no artigo 203 da Constituição, a proposta é prejudicial para a economia brasileira. Por isso, diz, toda a população deve defender a manutenção do valor atual do BPC. Não só por solidariedade e justiça, mas porque interessa à economia do país.
Segundo a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a proposta de Bolsonaro cria uma espécie de “subcidadão” que recebe menos do que o valor do salário mínimo e, “se passar, vai ter muita briga no Supremo, uma guerra jurídica violenta. Um idoso não pode ser diferenciado de outro idoso aposentado”.
Além disso, diz, o benefício integral do salário mínimo ajuda a aquecer a economia porque é um dinheiro que volta para o mercado. “Ao contrário dos milionários que sonegam, têm dívidas perdoadas e gastam dinheiro em diversão no exterior, o pobre gasta aqui, comprando arroz, feijão, carne, sapato e roupa. Faz a economia girar”, afirma Tereza Campello.
“É um efeito multiplicador. Para cada R$ 1,00 investido no Bolsa Família”, exemplifica, “você tem retorno de R$ 1,78. O mesmo deve ser com o investimento nos benefícios para idosos e deficientes. Cada vez que o governo corta salário de pobre, gera menos emprego, essa é a verdade”.
Vamos viver no Brasil em pouquíssimo tempo, a mesma situação que os idosos mexicanos que estão abandonados nas ruas, à própria sorte. Lá apenas 20% deles têm cobertura da Previdência. É uma situação desesperadora- Tereza Campello
Ieda Castro, ex-secretária nacional de Assistência Social do governo Dilma Rousseff, diz que a diminuição no valor do BPC vai na contramão do motivo pelo qual ele foi instituído na Constituição de 1988 e regulamentado em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
“O BPC foi feito para os idosos mais pobres como seguridade social, como proteção social e não como regime contributivo. Tanto que hoje os idosos não estão mais abaixo da linha de pobreza nas estatísticas, porque estão protegidos graças ao benefício do salário mínimo que recebem”.
Se passar essa reforma, os idosos voltarão para as estatísticas abaixo da linha da pobreza - Ieda Castro
Idosos trabalharam, mas não contribuíram para o INSS porque foram explorados
Uma das alegações do governo para a diminuição do valor do BPC dos idosos carentes é a de que não se pode atrelar o salário mínimo, que estabelece a remuneração básica do trabalhador, à assistência, cujo pagamento não requer nenhuma contribuição.
Para Tereza Campello, a tese de contribuição é contestável, já que, exceto a maioria dos deficientes, os idosos trabalharam muito e contribuíram com o país, mas foram tão explorados que não conseguiram pagar a Previdência porque não sabiam que era preciso.
“São trabalhadores e trabalhadoras que passaram por trabalhos análogos à escravidão em olarias, minas, sem carteira assinada, sujeitos à exploração e que agora estão idosos”, diz Campello.
Segundo ela, a maioria nem sabia que estava sendo roubada pelo empregador.
“São pessoas que não tiveram força de organização. Não teve sindicatos pra defendê-los, nem teve e não tem bancada parlamentar. Eles não têm como provar que trabalharam”.
A prova que o idoso pobre trabalhou é sua a mão calejada, é a sua cara curtida de sol, é o olhar triste de sua desgraça- Tereza Campello
A ex-ministra lamenta a decisão do governo Bolsonaro que não leva em conta as lesões físicas que esses trabalhadores tiveram ao longo de suas vidas.
“São idosos com lesões muito superiores aos demais trabalhadores. São cortadores de cana de açúcar que carregaram toneladas nas costas ao longo dos anos, que agora têm saúde precária”, diz.
Estudo do IPEA confirma distribuição de renda via Previdência
O estudo “Previdência Social e Redistribuição de Renda Intermunicipal, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de Edvaldo Duarte Barbosa e Rogerio Nagamine Costanzi, apontou que a Previdência Social tem se consolidado como a maior distribuidora de renda do país.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2007), ano do estudo do IPEA, os benefícios pagos retiraram cerca de 22,2 milhões de pessoas da linha de pobreza e têm uma forte presença nas áreas rurais.
Esse volume de recursos mensais injetado na economia dos municípios representa, principalmente para aqueles menores e mais pobres, a garantia da movimentação dos setores de serviço, comércio e transporte.