O blog do Sind-UTE/MG subsede Caxambu publicará a partir de hoje uma série de matérias sobre o Projeto de Lei "Escola Sem Partido", do site Ninja, que visa impor ao Plano Nacional de Educação uma série de medidas que ataca a liberdade de expressão e a liberdade de cátedra dos professores. Em outras palavras, é mais uma ofensiva conservadora que objetiva destruir as iniciativas educacionais que buscam a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, sem ódios e aberta para tod@s.
Acreditamos na importância de nossa categoria debater esse projeto, compreendê-lo, para fazer o seu enfrentamento coletivo. Boa leitura à todas e todos...
Escola sem partido: querem calar a educação
by Laio RochaFollow , NINJAFollow
Confira como o projeto Escola Sem Partido está se espalhando pelo Brasil
O NINJA começa a partir deste texto uma série de matérias que vão desbaratinar o que é o projeto Escola Sem Partido, a quem pertence e quais os seus objetivos para a educação pública.
A Escola Sem Partido, ou Lei da Mordaça, é um projeto que pretende acabar com o ensino "político-ideológico" das salas de aula. Para os apoiadores dessa ideia, o ensino está "contaminado" por ideologias de esquerda e voltadas para "ideologia de gênero". A bandeira é puxada por pastores evangélicos, políticos e grupos de extrema-direita e vem tomando grandes proporções, tanto no parlamento quanto em universidades e escolas públicas, chegando mesmo à casos de censura e demissão de professores.
Escola Sem Partido
Criadora da ideia, A ONG “Escola Sem Partido” existe há doze anos para combater uma suposta “contaminação político-ideologica” do ensino brasileiro. Identificada como uma organização de pais, alunos, educadores, contribuintes e consumidores de serviços educacionais, ela é gerida pelo advogado Miguel Nagib.
Ele descreve como deve ser o verdadeiro professor “neutro” em sala de aula. Aqui vão alguns “deveres” do professor defendidas pelo grupo:
1. O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, politicas ou partidárias.
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticasideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos ou passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, sócio culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade - as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5. O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam educação moral que esteja de acordo com suas próprias concepções.
6. O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros dentro da sala de aula.
Um vírus hackeando as casas legislativas
O site da ONG Escola Sem Partido disponibiliza para consulta e eventual uso os projetos de lei com todas as regras “essenciais” para uma escola "sem ideologia". Com essa facilidade, a lei foi amplamente utilizada por muitos vereadores, deputados estaduais e federais, e até mesmo por senadores.
Nesse momento, tramitam pelo Brasil todo textos integralmente ou parcialmente copiados dodocumento da ONG. Em Alagoas, por exemplo, apenas o nome foi alterado para “Escola Livre”, pelo deputado Ricardo Nezinho (PMDB-AL), o que fez a lei correr sem publicidade e ser aprovada por unanimidade na câmara.
No Senado Federal, o senador e pastor evangélico, Magno Malta (PR-BA), foi quem pautou a PL 193/2016 com o texto exatamente igual ao publicado no site da ONG e trata da inclusão do ESP na Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional.
O processo está agora sob a relatoria do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e já gera polêmica. Isso porquê a audiência pública para debater os termos da PL que deveria acontecer antes do parecer do relator, foi cancelada. Dessa forma, Buarque enviará sua decisão sem dialogar de forma alguma com movimentos sociais e sociedade civil acerca do programa.
No Congresso tramitam seis diferentes propostas, sendo que quatro delas fazer parte da árvore ligada à PL 7180/2014. Há dois anos tramitando sem muito alarde e por duas vezes arquivado, foi o deputado Erivelton Santana, do Partido Social Cristão da Bahia, o mesmo de figuras como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, que pediu o seu desengavetamento no mês de fevereiro. De lá para cá, não houve avanço e no último dia 20 de junho o projeto estacionou, mais uma vez, na Câmara de Conciliação Prévia.
De autoria do deputado federal Roberto Marinho (PSDB-RN), a PL 1411/2015 tipifica o crime de Assédio Ideológico como "toda prática que condicione o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente".
"O indivíduo em formação não possui maturidade intelectual suficiente para fazer juízo de valor acerca de posicionamentos que lhe são apresentados, aproveitando-se o professor dessa situação de vulnerabilidade para impor seus convencimentos ideológicos. É vil a utilização da hipossuficiência intelectual por parte do professor, que goza da inteira confiança do aluno e de sua família para transmitir conhecimentos, para promover sua agenda ideológica pessoal", trecho da PL 1411/2015
A relatoria desse projeto está agora com o deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF). Izalci é autor de de outra PL, a número 867/2015 que tramita na Câmara e que tem o objetivo de incluir entre as diretrizes e bases da educação nacional o Programa da Escola Sem Partido. (O deputado também tem uma série de processos judiciais. Em 2015 teve o sigilo bancário quebrado pelo STF, e responde à crime de peculato e omissão na declaração de gastos de campanha de 2006).
Cavando um pouco mais, encontra-se a PL 1859/2016, também de Izalci, com o conteúdo: "Acrescenta Parágrafo único ao artigo 3º da Lei 9.394/96". Ela insere o seguinte texto na PL 7180/2014:
"A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual.”
A proposta de lei vai muito mais além, e versa sobre como os filósofos Karl Marx e Friedrich Engels, autores do Manifesto Comunista, a Escola de Frankfurt, que debateu sobre a industria cultural no pós guerra mundial, e a União Soviética, vem tentando acabar com conceito da família tradicional.
Aprovação
O primeiro estado a aprovar a lei foi o Alagoas, com a pequena (grande) alteração no nome do projeto para “Escola Livre”, tornando-o mais discreto. Em outros 8 estados que são: Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espirito Santo, Ceará, Pernambuco, Distrito Federal e Amazonas, o processo está tramitando nas câmaras legislativas. Em Goiás e no Paraná o projeto foi arquivado.
Na cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, o projeto foi aprovado integralmente pelo parlamento municipal gerando grande revolta em professores e alunos. Eles se insurgiram contra a decisão e fizeram diversos atos em frente à Câmara. O prefeito da cidade vetou a lei que voltou para a mão dos deputados, que frente à mobilização da categoria, resolveram fazer prevalecer o veto e derrubar a demanda.
O grande marco para tornar de conhecimento nacional o ESP foi, sem dúvida, a fatídica reunião no dia 25/05 entre o ator, Alexandre Frota, e o Ministro da Educação, Mendonça Filho. Recentemente introduzido às redes sociais como militante politico através do grupo Revoltados Online, Frota é conhecido por defender bandeiras da extrema direita em suas postagens.
Após a repercussão negativa, quase 40 dias depois, no último dia 6, Mendonça aparentemente voltou atrás no apoio à pauta de Alexandre Frota. O Ministro declarou:
“eu acho importante a pluralidade, amplitude, liberdade de expressão, liberdade de conhecimento, e espero que você possa acessar os conhecimentos sobre os liberalismos, sobre marxismos, sobre todas as correntes de pensamento de acordo com o currículo escolar. Acho que não vamos resolver essa questão criminalizando o professor, sinceramente eu não acredito que seja o caminho”.
O projeto deve seguir com o aval da nova formação do executivo construído no pós golpe. No último dia 8, Michel Temer se reuniu com 33 pastores evangélicos, liderados pelo deputado federal Robson Rodovalho, e prometeu aos religiosos que irá utilizar o MEC para analisar o combate ao que eles chamam de “ideologia de gênero”, termo criado para banalizar e esvaziar o debate de identidade de gênero, levantado pela comunidade LGBT.
"'Ideologia de gênero" é a expressão cunhada por fundamentalistas religiosos para deturpar o debate acerca de equidade e identidade de gênero -como se essa agenda representasse a abolição da diferença biológica entre os sexos- e, assim, enfraquecer a luta por direitos das pessoas transexuais e das mulheres em geral.”, disse sobre o termo o deputado federal Jean Wyllys, em texto no jornal Folha de S.Paulo.
Contracorrente
Professores, alunos, pais, pensadores, entre outros, se manifestaram contra o projeto, colocando o apelido sobre ele de "Lei da Mordaça", pois coíbe a função dos magistrados de discutirem política em sala de aula e impõe o crivo dos pais aos conteúdos lecionados.
"Qual a ligação entre esses dois temas, “escola sem partido” e “ideologia de gênero”, em momentos tão distintos? O que parece ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos: os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas suas ideologias e crenças. Afinal de contas, não são apenas os pensamentos marxistas que são ideológicos, como tentam fazer crer os defensores da “escola sem partido”. Sendo assim, o que significa ideologia então?", questionou a Doutora em Educação pela PUC/SP, Cleomar Manhas, em artigo publicado no Outras Palavras.
Em entrevista dada ao portal El País Brasil, Renata Aquino, criadora da página Professores contra Escola Sem Partido, comenta: "eles acham que a escola está querendo impor ao aluno uma visão de mundo e violar aquilo que os alunos aprendem no espaço privado, nas suas casas. Mas eu entendo essa proposta deles como um avanço da esfera privada sob a esfera pública. Mas a gente não pode pensar uma democracia dando mais importância à esfera privada do que à esfera pública. Eles não querem que apareça família homoafetiva na escola, que apareça transexual... A escola tem que dar um jeito de ter educação, de ter ensino, sem citar toda essa diversidade que existe na nossa sociedade. Mas a escola não existe separada da sociedade".
O programa Havana Connection, do jornalista Leonardo Sakamoto, o assunto foi colocado em debate com o líder do MTST, Guilherme Boulos, o deputado federal, Jean Willys e a jornalista da rede Jornalistas Livres, Laura Capriglione.
"Eu acho lamentável quem fica propalando essa ideia de Escola sem Partido sem se perguntar qual é o partido que está por trás disso, e é óbvio que há. (...) Se formos procurar qual é, certamente chegaremos ao Temer, ao PMDB, ao PSDB, ao PP, ao PSC, a todos os partidos que urdiram e tramaram o golpe e hoje são hegemonia política no parlamento", afirmou o deputado Jean Wyllys.
"Qualquer coisa que permita uma problematização da realidade, uma crítica da forma como a gente vive, isso tudo está vetado pela escola sem partido, então tudo isso acaba com o professor", avaliou a jornalista Laura Capriglione.
O professor de História, Carlos Eduardo, que leciona na escola Caetano de Campos, pertencente à rede pública estadual de São Paulo, deu sua opinião sobre o projeto: "Acho que é muita pretensão acreditar que seria possível aplicar lógicas ideológica sem que exista uma reação a isso. Na verdade,acho que a escola é um grande espaço onde se pode experimentar o debate sem o cabresto ideológico tradicional. Inclusive as ocupações demonstraram isso. Alunos/as lideram suas próprias ideias e isso foi o que incomodou estes setores que defendem o escola sem partido".
Censura e perseguição
O discurso foi para a prática. A ideia de que os professores estão fazendo uma lavagem ideológica em anos totalmente inofensivos à isso, parece ter ganho adeptos em centenas de lugares e muitos profissionais passaram a ser assediados e mesmo demitidos por aulas que citem pensadores com a pecha de "comunistas" ou pertencentes à correntes de esquerda, como Karl Marx, por exemplo.
O caso mais recente foi o da professora Gabriela Viola, que da aula na rede pública do Paraná. Em menos de 24 horas após divulgar na internet vídeo em que faz uma paródia da música de funk, Baile de Favela, citando o filosofo alemão e falando sobre o capitalismo, ela foi afastada das salas de aula. Isso porquê o vídeo deu mais de 150 mil views após o comentarista de internet, Rodrigo Constantino, falar que ela estava promovendo uma "doutrinação marxista".
Uma das cartilhas do site da ONG Escola Sem Partido ensina o aluno a se defender desse tipo de catequese de esquerda que os professores aplicam, em sua visão. Dentre as orientações, algumas se destacam:
"adota ou indica livros, publicações e autores identificados com determinada corrente ideológica;"
"exibe aos alunos obras de arte de conteúdo político-ideológico, submetendo-as à discussão em sala de aula, sem fornecer os instrumentos necessários à descompactação da mensagem veiculada e sem dar tempo aos alunos para refletir sobre o seu conteúdo;"
"utiliza-se da função para propagar ideias e juízos de valor incompatíveis com os sentimentos morais e religiosos dos alunos, constrangendo-os por não partilharem das mesmas ideias e juízos."
"A neutralidade é burra! Eu não posso induzir, manipular ou mesmo chantagear meus alunos/as a determinados caminhos! Eu preciso apresentar os instrumentais para que eles por conta e risco encontrem seus caminhos. Quem sou eu para dizer o que é certo ou errado, esquerda ou direita para alguém? Nós debatemos, conversamos, construímos caminhos e neles vamos até e onde podemos. Nenhum projeto pode domesticar uma relação histórica da sala de aula entre aluno/as e professor!", afirmou o professor, Carlos Eduardo.
Enquanto isso...
Estudante secundaristas se organizam por todo o país, não mais em uma onda de ocupações de escolas, mas fazendo parte do movimento de cultura, que ocupa prédios do Ministério da Cultura, em todo o Brasil, e de Fábricas de Cultura, em São Paulo. A Escola Sem Partido ou, mais precisamente, Lei da Mordaça, tenta coibir o livre pensamento e o direito de manifestação desses jovens que se insurgiram contra o sucateamento da educação através de professores que lhes semearam o saber.
Foto: Mídia NINJA
Fonte: https://ninja.oximity.com/article/Escola-sem-partido-querem-calar-a-educ-1