Adriano Del Duca e Betto della Santa
(artigo originalmente publicado no blog Convergência)
“Cantar com alegria, Paraná.” (Um toque de ladainha popular para jogo de capoeira Angola.)
Confusão. Medo. Desorganização. Um clima de tensão generalizada atravessa a manhã do dia 12 de fevereiro entre os e as parlamentares pró-tratoraço.
[1] Uma reunião urgente do alto escalão do governismo paranaense é então convocada, via aplicativo de celular. Com a sede do Legislativo cercada por manifestantes e grevistas, a poucos metros de Judiciário e Executivo, deputados estaduais a favor da austeridade agrupam-se em um QG, algo improvisado, do governo do estado.
Existe algo de novo sob o Sol. Os de cima já não podem como podiam.
“O único jeito de vocês chegarem lá e eu garantir a segurança – e até a vida de vocês – é assim.” entourage governista durante onze dias a fio de aguda crise social e política no Paraná. A sede fica a, aproximadamente, 6km de distância do Palácio Iguaçu, Centro Cívico. Um camburão-blindado, com escolta de Polícia Militar (PM) e Batalhão de Operações Especiais (Bope), lá os aguardava.
A diretiva partiu do Secretário de Segurança Pública do estado do Paraná Fernando Francischini, dirigindo-se a um grupo de pouco mais de 30 parlamentares, sitiados no que a imprensa local chama de “sede alternativa do governo de estado”. O “Chapéu Pensador” é um prédio projetado e utilizado pelo ex-governador Jaime Lerner, construção de madeira e vidro cercada por mata nativa – no Parque da Companhia Paranaense de Energia Elétrica, Bairro do Bigorrilho –, no qual se enfurnou a
Entre constrangidos e consternados uma minguada base de apoio ao assim-chamado “pacote de maldades” de Carlos Alberto Richa, bem como seus assessores mais próximos, estava reunida durante toda a manhã, para uma análise de conjuntura urgente, convocada via Whatsapp. 12 de fevereiro foi o auge de maior temperatura política dos acontecimentos das lutas de classe a, de fato, abalar as estruturas de poder do estado sulista. A ocupação do Legislativo por uma maré de gente atuante e solidária à greve geral – do funcionalismo público – foi tão multitudinária e combativa que a Polícia Militar se negou a cumprir ordem do Judiciário para a reintengração de posse. Com ex-indíces de aprovação altíssimos + eleição em primeiro turno, o PSDB estadual não esperava tamanha resistência. E parece que não podia dispor de um pior plantel tático-estratégico.
Após discorrerem sobre a férrea necessidade de aprovar em regime de emergência os projetos de lei – com políticas de austeridade –, debaterem a debandada da base de apoio e as dificuldades óbvias de realizar uma votação parlamentar dentro de um Legislativo abertamente conflagrado, a solução foi sugerir o transporte com um carro de choque, aparentado ao caveirão carioca. O uso de vans, sem insulfilme fumê, fora descartado; posto que os grevistas divulgaram amplamente as fotos dos parlamentares pró-tratoraço. O pavor da multidão falou mais alto do que a cautela política. Todas declarações disponíveis sobre o assunto foram dadas sob cláusula de confidência. O pacto de silêncio, travado no interior do veículo, envolveu uma bastante sintomática exigência: não chamar o veículo por camburão. Mas a imagem foi – de fato – maior do que qualquer palavra.
“Achei meio deprimente entrar naquele ônibus; parece coisa de regime de exceção”, disse Luiz Carlos Martins, que foi com o carro do Chefe da Casa Civil Eduardo Sciarra, seu correligionário. Cobra Repórter conta que foi em seu carro particular, seguindo o ônibus. “Entendo que estavam pensando na nossa segurança. Mas me senti mal de entrar nesse ônibus”, afirmou Cobra Repórter. O blindado do Bope seguiu absolutamente superlotado, no trajeto, até o Centro Cívico da cidade. Numa experiência pouco usual para o habitus parlamentar e os poucos ossos do ofício deputados estaduais apertaram-se de pé, no interior do camburão, como trabalhadores, rumo à jornada de trabalho. A maior tensão teve início perto da sede, onde e quando se esparava algum conflito. A escolta da PM cortou grades do entorno para evitar a entrada principal. Tão-só dez metros do falso portão – aberto à força – um cordão de isolamento da tropa de choque, e, coragem alguma.
Conta-se que alguns temiam pela própria vida, abjuravam da decisão de subir no carro e, sobretudo, perguntavam-se como seria a volta. Gritos histéricos e lancinantes misturavam-se a ordens diretas para que se removesse o manifestante, em deitaço de protesto, diante do veículo. O Secretario de Segurança foi – pessoalmente – aplicar-lhe uma chave de braço, ao que foi muito aplaudido e aclamado pelos parlamentares já sem decoro de nenhum tipo. Deputados apavorados começaram a sair de dentro do veículo de cabeças baixas e com passo acelerado. A comparação agora se dá com pessoas presas que, ao sair do camburão policial em direção às delegacias, não pensam duas vezes em proteger os rostos das câmeras e dos microfones da imprensa. A cena da descida do carro e da entrada na Assembléia Legislativa do Paraná (ALP) dificilmente deixará a memória coletiva de manifestantes. Não é todo dia que um tratoraço se transforma em camburaço. Ou, que um deputado sente medo.
…e do lado de cá
O dia 12 de fevereiro tinha tudo para repetir o episódio de 1988 – em agosto desse ano o então governador, Álvaro Dias, enfrentou trabalhadores em educação com bombas e cavalos em Curitiba – dada a forma e o conteúdo do ingresso dos parlamentares no Legislativo do Paraná. A votação em fast-track dos dois projetos – 06/2015 e 60/2015 – estava anunciada para as 14h. Só não se sabia, ao certo, o seu local. Alguns informes difusos anunciavam que o Canal de Música da TV Educativa estaria cercado de policiais, assim como as ruas da zona, telegrafando que a votação poderia acontecer ali. A deliberação do Comando Geral de Greve foi bloquear todas as entradas da ALP – e, também, as do Tribunal de Justiça – para impedir que, novamente, os deputados usassem o espaço físico do refeitório do prédio. A indignação só fez crescer, e crescer.
Em um dos portões do estacionamento oficial do Tribunal de Justiça os manifestantes – com o consentimento dos vigias (e da própria PM) – revistavam o porta-malas de cada um dos veículos de magistrados que pudessem trazer algum deputado, escondido, para a votação.O que pouco a pouco se quedava claro era que as distrações desviavam o foco da atenção para o modo como os deputados entrariam na Assembleia. Em uma das esquinas o alambrado foi rompido por policiais e, sem muitos percalços, os deputados forçaram a entrada, sob escolta policial. A PM e o Bope fizeram um cerco, em torno das entrada e da entrada clandestina da ALP. No lugar escolhido havia poucos ativistas. Mas, em pouco tempo, a moral plebeia se reagruparia no local. Podia-se entrever a presença dos deputados. Vultos efêmeros se moviam nos arredores. A indumentária os denunciava. Então sprays de pimenta, e algumas bombas, foram atirados de dentro do camburão.
Em meio ao caos, a precipitação da chuva aumentou, houve confrontos eventuais, bombas de gás e incipiente corre-corre. Mas chuva, blindados, Bope e PM não foram o suficiente para que a multiudão perdesse terreno. A juventude e os servidores multiplicaram-se, agigantados. Houve desmaios, ferimentos e exaltação de ânimos. Em direção ao pátio de entrada e à rampa de acesso manifestantes avançaram palmo a palmo. Braços ao alto – nenhuma disposição em recuar – e a PM tentando refazer sua formação; atabalhoada, confusa. A PM, que ao longo da semana demonstrou respeito o bastante pela mobilização (PMs, pela lei, não podem aderir à greve), não davam quaisquer mostras de buscar a agressão deliberada. Ao fim e ao cabo, recuaram. Sprays, bombas e cacetetes não fizeram defeccionar uma massa convicta da justeza de sua reivindicação.
Quando o pátio e a rampa da ALP foram tomados veio novo informe: a suspensão temporária do pacotaço, até a segunda-feira depois do Carnaval, dia 23. O portal da APP-Sindicato na rede expôs o documento – firmado pelo Diretor-Geral da Casa Civil – no qual se atesta que os projetos foram retirados de votação e enviados para revisão. O caminhão sindical de som, em frente ao Palácio Iguaçu, deu a palavra a deputados oposicionistas e deputados governistas que romperam com o Quartel General de Richa. Superando em muito direções sindicais e políticas, majoritariamente do PT e da CUT, servidores estaduais, com trabalhadores em educação e estudantes secundaristas à frente, deram uma resposta política e social impensável antes das jornadas de junho. O programa macroeconômico ao qual se enfrentam não é diferente daquele aplicado pelo Palácio do Planalto e/ou a Troika e o Banco Central Europeu. Os insurgentes da Praça Sintagma ateniense – e o tic-tac da madrilenha Puerta Del Sol – ganham eco e repercussão no país.
Alegria. Rebeldia. Vigília. Curitiba, capital do frio brasileiro, nunca foi tão quente. Os ônibus fretados que deixam a cidade rumando às cidades do Norte pioneiro, do Centro-Oeste e do Litoral do estado, viajam com trabalhadores e jovens exultantes e orgulhosos. Um rubicão foi cruzado. Sessões clandestinas do Parlamento, governadores em “autoexílio”, camburões com deputados e PMs recuando não são fenômenos cotidianos das lutas sociais e políticas nesse país. O ano novo começou antes do Carnaval. Os de baixo já não admitem como admitiam.
*Com informações de Gazeta do Povo, Mídia Ninja, APP-Sindicato, CSP-Conlutas, ANEL, Blog do Esmael e depoimentos do movimento de greve / ocupação de servidores estaduais do PR.
[1] O conjunto de projetos de lei com políticas de austeridade – calote salarial a 1/3 de férias, o assalto armado à previdência social de 200mil servidores, a destruição final da educação escolar, brutal (e invulgar) restrição orçamentária em Ciência e Tecnologia, ataque frontal à autonomia universitária, não-pagamentos e não-contratações – foi encaminhado ao Parlamento em regime de urgência (Comissão Geral) para aligeirar a sua respectiva aprovação sem debate prévio e comissões específicas. O “pacote de maldades” enfrentou-se, então, a uma greve geral do funcionalismo público do estado do Paraná, com trabalhadores em educação à vanguarda de todo movimento grevista.